O primeiro grande mandamento de uma crônica no rádio, de qualquer programa no rádio, é tratar o ouvinte com respeito, o que vale dizer: ter a consciência de que além do microfone há pessoas inteligentes, há humanos, enfim, que dividem conosco aquele momento. O segundo mandamento, portanto, é perder toda e qualquer atitude professoral, porque o privilégio que usamos naquele instante é circunstancial, e mais experiência possui o público do que sonha nossa vã imaginação. O terceiro mandamento é saber ler. Isso quer dizer: ler com emoção, com absoluto cuidado na ênfase e decréscimo das palavras, ler com ironia, ler com todo o ser, em resumo. Ler com todo o ser. Fazer da leitura uma experiência, como se fosse a última vez.
Isso quer dizer, portanto, que as palavras têm que ser desentranhadas do seu casulo escrito. Isso quer dizer que a leitura exige recursos de ator, se por isso não entendemos o mau gosto das impostações de voz artificiais, ou, supremo mal dos males, as entonações melodramáticas. O texto deve ser interpretado com a voz que não passa a impressão de interpretar. Como dizer isso? – O texto merece uma interpretação natural, que se dê em um fluxo de conversa em uma sala, como um diálogo entre duas pessoas. Ainda que fale para milhões de pessoas, o locutor se dirige a um só ouvinte. Como um João Gilberto da fala.
É claro que o locutor, naquele segundo terrível em que se acende uma luz vermelha no estúdio, o que o deixa na condição dos condenados à cadeira elétrica no momento em que se assentam e um carrasco anuncia, “no ar”, é claro que o locutor deve e tem que ser ajudado por um texto. Ora. Chegamos aqui ao mais difícil. Se o texto radiofônico em geral tem que ser escrito para a fala, e isso exige frases curtas, porque, tenham piedade, os pulmões de ninguém conseguirão alento em frases repletas de circunlóquios e perífrases, a crônica de rádio em particular guarda um pouco mais de dificuldade. Do seu natural gênero híbrido, o de ser texto para o dia e texto para qualquer dia, a crônica no rádio recebe outra marcação mais decisiva: as suas frases devem ser versos. Quero dizer, as frases devem guardar um sentido autônomo, que se realizam em um crescendo, e mais uma vez valemo-nos de outros reinos: as frases devem soar como uma composição musical. Mas não só.
1) As palavras têm que ser as mais simples, de domínio público; se for imprescindível uma estranha ao léxico popular, que se esclareça de imediato o seu sentido.
2) As palavras podem e devem ser repetidas, sempre que o sentido de ritmo e de compreensão exigir, sempre que forem insubstituíveis no seu significado e na sua força.
3) O texto deve caminhar, se possível, com alguma composição musical, composição sem letra, é claro, cujo espírito lhe seja harmônico. Em uma palavra: música, discreta, a ser combinada com o autor.
E mais importante, o que me parece um autêntico salto de gato. A crônica radiofônica (“radiofônico”, esse palavra polissílaba, quase impronunciável no ar) deve ter uma ideia construída desde a primeira letra até o ponto final. Em um crescendo para um tempo breve. Não chega a ser um poema porque não possui elipses, nem frases de múltiplos significados. Mas guarda do poema a sua brevidade e movimentos, versos-frases, autônomos. Isso obedece a uma razão simples, sem preciosismo ou frescura. O texto lido no rádio não admite replay. A frase falada não admite uma volta, um retroceder. No ar, existe uma ordem: “digas a que vens e desapareças”.
Por isso digo agora: fui.